Cerca de 3200 quilômetros, pode até parecer uma distância muito longa para ser percorrida correndo, mas não para o professor de educação física e atleta amador Marcos Mourão, que resolveu comemorar seu aniversário de 50 anos impondo a si mesmo o desafio de correr o equivalente a 50 maratonas em um ano, ou seja, percorrer 50 vezes a distância de 42,195 km.
Marcos, que mora em São Paulo, iniciou seu projeto no dia 29 de julho de 2018 e busca completá-lo até o dia 28 de julho deste ano. É claro que para um desafio assim ele já não era nenhum iniciante na modalidade. Até o ano passado já havia corrido 40 maratonas e 20 ultramaratonas, um currículo invejável para quem leva uma rotina agitada de conciliar trabalho, família e outros compromissos com a paixão pelo esporte.
“Quando eu pensei no desafio eu queria provar para mim mesmo que os 50 anos não são um problema, muito pelo contrário, no meu caso era o resultado de 23 anos de corrida e porque não me desafiar em uma prova com tanto simbolismo, uma distância tão conhecida?”, conta.
Nós conversamos com o Marcos para entender como funciona sua preparação diária para atingir a meta. Confira a entrevista:
Como seu planejamento foi feito?
Para a distância e o tempo que estabeleci, de correr as 50 maratonas em 52 semanas – equivalente a um ano, eu teria apenas dois finais de semana sem maratonas durante este período. No meu caso gostaria de participar de diversas maratonas oficiais, quem sabe até viajar para o exterior, dar palestras, mas sem a grana necessária para tanto, tive que planejar apenas quatro maratonas oficiais, as demais 46 seriam em percursos, com medição por meio do GPS do meu relógio, na cidade de São Paulo (ruas, parques, ciclovias, USP), em Ubatuba (rodovia Rio Santos e pela cidade) e em Campos do Jordão.
Se nem todos os percursos são em provas oficiais, como definir os outros trajetos?
Para definir alguns trajetos escolhi temas para determinadas maratonas. Assim surgiram “A maratona das minhas moradas”, na qual corri até os meus endereços residenciais de São Paulo. “A maratona de meu pai”, onde passei pelos lugares marcantes de sua vida, e assim por diante. Fiz também trajetos “só de ida”, como na rodovia Rio Santos, sendo resgatado após os quarenta e dois quilômetros pela Ana, minha esposa. Fiz voltas e mais voltas dentro do parque do Ibirapuera, Villa Lobos e do Povo, na cidade de São Paulo e por aí vai.
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Com um volume tão grande de corridas a performance deixa de ser uma prioridade?
Para suportar tanta maratona seguida, tive que encontrar um ritmo mais moderado, embora em algumas ocasiões não o tenha seguido. Estabeleci uma velocidade média de 6’15”. Encontrei esse ritmo fazendo algumas maratonas seguidas antes do início do desafio e verificando a minha recuperação. Esse pace dá aproximadamente quatro horas e meia de maratona.
Correndo 42k todo fim de semana, dá tempo de fazer algum treino específico de corrida?
Eu sou professor de educação física e trabalho com crianças pequenas, dou aulas de capoeira, então faça bastante movimento com os alunos, também procuro me deslocar pela cidade ou correndo ou de bicicleta em alguns dias da semana, então acabo inserindo no decorrer da semana treinamentos que já são parte da minha da minha rotina. Uma coisa que não faço e que costuma chamar atenção é musculação, não faço nenhum trabalho em academia ou de reforço, mas pela minha profissão acabo me movimentando muito durante o dia. Não pratico preparações específicas para maratona, como treinos intervalados, fartlek ou algo assim, mas compenso com os outros esportes.
Qual a maior dificuldade que você tem enfrentado ao correr tanto em intervalos de tempo tão curtos?
Minha dificuldade na verdade é conciliar esse volume de corridas com o dia dia. Eu sou um atleta amador, então eu tenho meus afazeres diários, meu trabalho e conseguir dar conta de tudo e correr tem sido o maior desafio.
Alguma vez você já pensou em desistir da corrida?
Desistir da corrida é uma coisa que realmente nunca passou pela minha cabeça, é lógico que nesse período tão grande de corrida já houve momentos que corri menos, com intensidades menores, mas dificilmente passou pela minha cabeça desistir. Curiosamente, todas as corridas que participei até hoje, e foram muitas, eu nunca precisei desistir e parar por ter tido alguma lesão ou por algum problema de saúde, algo que ajuda bastante.
Como você se motiva para o esporte?
Tem dias que eu acordo sem vontade de correr e se é o caso eu não corro. Isso é uma coisa boa porque eu não preciso necessariamente seguir uma uma planilha a risca por conta do desafio, então consigo administrar durante a semana. Eu tiro minha motivação do desafio que eu coloquei a mim mesmo: cumprir esse objetivo de fazer 50 maratonas no período de um ano. Durante vários momentos, se eu não estivesse buscando essa meta, eu teria corrido menos de 42 km, mas ter esse desafio, realmente serve como um propulsor para que eu não desista.
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O que mudou na sua alimentação antes e agora?
Minha rotina alimentar mudou muito pouco, eu já costumava fazer cinco refeições diárias então acabei mantendo isso. Sempre gostei de me alimentar com variedades de verduras, legumes, carnes e peixes, mas também gosto de bolo, sorvete, pizza, waffles…. Nos últimos anos tenho diminuído a ingestão de carne vermelha e de sal. Mas não fiz nenhuma mudança radical, o que mais mudou mesmo foi que com esse volume de corrida eu ingiro muito mais líquidos do que antes.
Você usa algum suplemento para complementar sua alimentação?
No dia da maratona eu tenho o hábito de usar os géis de carboidrato, consumo em torno de cinco sachês durante a prova, mas não sou adepto a outros tipos de suplementação com aminoácidos, bcaa, glutamina ou algum outro desse tipo, o que eu faço de vez em quando é tomar vitamina c, por causa da oxidação, apenas isso.
Você faz algum acompanhamento com especialistas?
Eu sou acompanhado pelo ortopedista Dr. Adriano Leonardi e me consulto também com o cardiologista Dr. Rodrigo Bazzo a cada seis meses, ele é o responsável por fazer o acompanhamento da parte cardíaca e laboratorial. Já para as questões mais gerais de saúde tenho o hábito de me receitar com um homeopata.
Se você leu a entrevista até aqui certamente deve estar se perguntando como é possível correr tanto com intervalos tão curtos para recuperação, isso é saudável para o corpo? Nós também conversamos com o Dr. Adriano Leonardi que acompanha o Marcos e além de ortopedista também é médico do esporte e colunista do Webrun.
Ele nos afirmou que o tipo de preparação do Marcos não deve ser uma fórmula seguida por qualquer atleta amador. O volume grande de corridas pode não ser tão saudável e o risco de lesões é bem maior.
“A primeira coisa que temos que ter em mente é que o Marcos é um atleta acima da média, ele tem uma genética muito boa e isso é indiscutível. Nós sabemos que quando vamos começar um treino para corrida, principalmente visando uma maratona, é preciso fazer uma periodização, treino de força e um recovery bem feito para que o organismo regenere a perda de fibra muscular, além das microfraturas que a corrida causa na parte óssea. E para essa recuperação é preciso de tempo para não sobrecarregar o corpo e sofrer lesões. No caso do Marcos, o recovery dele é muito acima da média”, explica Leonardi.
Sobre a falta de trabalhos de fortalecimento na preparação do Marcos, o médico afirma que os outros esportes que pratica estão servindo para ele como uma forma de fortalecimento e ajudando a prevenir lesões. Entretanto, Leonardi também ressalta a importância do acompanhamento médico tanto da parte ortopédica quanto da cardiovascular.
“É fundamental analisar se o esporte está sendo ou não cardiotóxico, ou seja, se aquela frequência cardíaca elevada e o volume sistólico grande que se tem durante a corrida está sendo benéfico do ponto de vista cardiovascular. Já do ponto de vista ortopédico, é importante ver se o corredor não está desenvolvendo nenhum desequilíbrio ou sobrecarga muscular. Então, uma vez por mês, nós fazemos as dosagens das enzimas que são marcadoras de overtraining, para analisar se o turn over muscular e ósseo estão sendo bons”, ressalta.
Marcos sabe que aos 50 anos a perda óssea já é maior, mas este é para ele um dos motivos para correr este projeto. “Eu quero provar para mim mesmo que ter 50 anos não significa que você, como dizem por aí, está na juventude da velhice, é lógico que é uma perda natural, um processo natural de envelhecimento, mas é preciso saber lidar, e eu espero que isso sirva como um incentivo para outras pessoas tomarem iniciativas relacionadas a seus hábitos de vida e acreditarem que é possível fazer metas, levantar do sofá e ter mais qualidade de vida”, afirma.
Por fim, ele também deixa um conselho para quem quer propor novos desafios a si mesmo. “Um conselho que eu dou é que as pessoas não desafiem seus limites, mas que elas ampliem e conheçam seus limites com o passar do tempo, e isso só é possível entrando em contato com seu corpo, descobrindo seus pontos fracos e facilidades. Isso não é algo do dia para a noite; no meio da corrida as pessoas querem obter resultados muito rápido, não têm paciência para esperar a evolução a médio e longo prazo e, por isso, acabam se machucando ou desistindo. Então o meu conselho é não quebrar seus limites e sim dar tempo para se conhecer mais e buscar evoluir”.
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