A anemia é uma patologia que se caracteriza por uma diminuição anormal da concentração de hemoglobina no sangue, resultante da carência de um ou mais nutrientes essenciais. A ginecologista e obstetra Cassiana Giribela explica que a anemia ocorre quando, seja qual for a causa, os níveis de hemoglobina no sangue são inferiores a: < 12g/dL em mulheres; < 13g/dL em homens e < 11g/dL em gestantes.
“Na maioria das vezes, a anemia se desenvolve por ingestão insuficiente de ferro (anemia ferropriva)”, destaca a médica. Porém, pode ser proveniente da deficiência de vários nutrientes, como, por exemplo, zinco, vitamina B12 e proteínas.
Rodolfo Cançado, prof. adjunto e chefe da disciplina de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e médico hematologista do Hospital Samaritano/São Paulo, ressalta que anemia não é “normal” em nenhuma faixa etária. “É sempre um sinal de alerta de que algo não vai bem com a saúde dessa pessoa”, diz.
“Estima-se que a deficiência de ferro está presente em 1/3 da população mundial. Isso quer dizer que cerca de 2 bilhões de pessoas têm deficiência de ferro”, ressalta Cançado.
Existem grupos de risco?
Cassiana destaca que existem algumas situações mais propícias ao desenvolvimento da anemia:
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- Quantidade insuficiente de ferro na dieta, ou formas difíceis de absorver.
- Aumento das necessidades: infância, adolescência e gestação.
- Situações que tornem a absorção do ferro menos eficaz: gastrectomias, cirurgias bariátricas, câncer, doença celíaca.
- Perda de sangue, fisiológica (menstruação) ou no pós-parto, ou patológica.
- Qualquer hemorragia, seja aguda ou crônica.
Cançado ressalta que as pessoas com mais chance (mais vulneráveis) de deficiência de ferro são: crianças (sobretudo menores de três anos de idade), mulheres em idade reprodutiva e gestantes.
Os principais sintomas da anemia
Cassiana explica que a anemia está associada à depressão, a um desempenho reduzido no trabalho e no esporte, além de comprometimento das funções cognitivas e intelectuais. “Níveis insuficientes de ferro foram associados com sintomas como apatia, irritabilidade, fadiga e dificuldade de concentração”, diz.
Cançado ressalta que a pessoa com deficiência de ferro pode sentir: cansaço fácil e constante sem motivo aparente, dor de cabeça, tontura, irritabilidade, falta de atenção.
“As crianças podem ter dificuldade de aprendizagem, não irem bem na escola; infecções com mais frequência e atraso de crescimento. Os adultos toleram menos os exercícios, têm menor rendimento no trabalho, podem ter palpitação, falta de ar, desânimo, às vezes simulando até um quadro de depressão. Queda de cabelos, unhas mais fracas e quebradiças também são sintomas”, acrescenta Cançado.
O hematologista comenta ainda que a pessoa com deficiência de ferro pode ter apetite por coisas ou substâncias não alimentares, como terra, gelo, macarrão cru, limão, giz etc.
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Diagnóstico da anemia
O diagnóstico da anemia é feito, de forma geral, observando os indicadores laboratoriais (hematológicos).
Cassiana explica que pode-se dosar diversos parâmetros:
- A dosagem da hemoglobina é o principal parâmetro.
- Ferritina: avalia os níveis de ferro no seu depósito.
- Índice de saturação de transferrina: quantidade de ferro que está unido à transferrina (proteína de transporte do ferro). Indica se a mobilização do ferro pelo organismo é eficiente.
- VCM (volume corpuscular médio) indica o tamanho dos glóbulos vermelhos circulantes. Se o tamanho for pequeno, significa que há pouca hemoglobina no seu interior.
- Ferro livre: indica os níveis de ferro livre no sangue. Pode ser útil para determinar a causa da anemia.
Cançado comenta que a investigação da anemia é tão importante quanto o tratamento da mesma. “Porque, vale lembrar, a anemia é sempre um sinal de alerta de que alguma coisa está errada com a saúde da pessoa. Muitas vezes, o primeiro sinal de um tumor de estômago ou de intestino (colon) é a anemia. Portanto, se nós não investigarmos a pessoa com anemia, podemos estar perdendo a chance de fazer o diagnóstico de um tumor numa fase ainda potencialmente curável”, explica.
“É preciso procurar a ajuda do médico. O diagnóstico de anemia é importante, mas a pessoa não deve ficar sossegada enquanto a causa da anemia não for esclarecida”, alerta Cançado.
Complicações possíveis
Cassiana destaca como possíveis problemas decorrentes da anemia:
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- No sistema nervoso central: irritabilidade, labilidade emocional, diminuição da concentração e da memória, cefaleia, ataxia (perda ou irregularidade da coordenação muscular), parestesias (sensação anormal e desagradável sobre a pele que assume diversas formas) e perturbações do sono.
- Pele e mucosas: fragilidade das unhas e cabelos e fissuras bucais.
- Aparelho circulatório: taquicardia e dispneia.
Anemia durante a gestação: quais são os riscos?
Cassiana destaca como repercussões maternas da anemia:
- Comprometimento do desempenho físico e mental e instabilidade emocional;
- Pré-eclampsia, alterações cardiovasculares;
- Diminuição da função imunológica;
- Alterações da função da tireoide e catecolaminas;
- Queda de cabelos, enfraquecimento das unhas;
- Risco de anemia no pós-parto.
Em relação ao comprometimento fetal, podem ser destacados, de acordo com a médica:
- Perdas gestacionais (abortamentos, óbito intrauterino);
- Hipoxemia fetal, prematuridade, ruptura prematura das membranas;
- Quadros infecciosos;
- Restrição de crescimento fetal;
- Anemia no primeiro ano de vida, devido às baixas reservas de ferro no recém-nascido.
Cançado comenta que a pessoa com deficiência de ferro (DF) está a um passo de ter anemia ferropriva. “Por exemplo, numa mulher com DF que engravida, a chance de desenvolver anemia nos últimos 3 meses da gestação chega aos 70%. Por quê? Porque a criança precisa de muito ferro para crescer dentro da mãe e, obviamente, retira da mãe tudo aquilo que ela tem”, diz.
Anemia na gravidez é grave? De acordo com o hematologista, sim. “Aumenta o risco de aborto, prematuridade, da criança ter baixo peso ao nascer e, em alguns casos, até causa risco de morte tanto para a mãe quanto para a criança”, diz.
Como tratar a anemia
A melhor opção de reposição de ferro é por via oral, de acordo com Cassiana. “Existem no mercado diversos produtos para administração oral com diferentes sais de ferro, diferenças na absorção e na tolerabilidade. Os quatro principais suplementos de ferro comercializados no Brasil são: sulfato ferroso, complexo de ferro polimaltose (ferripolimaltose), ferro aminoquelado (ferro bisglicinato) e o ferro carbonila. Estes três últimos na forma de sal férrico. E, atualmente, o mais moderno é o ferro lipossômico”, diz.
Para Cançado, duas questões mais importantes que devem ser discutidas são: o tempo de tratamento e os efeitos colaterais dos medicamentos à base de ferro. “O tratamento demora pelo menos 90 dias, podendo se estender até 6 meses. Isso é o que explica algumas pessoas que melhoram dos sintomas pararem de tomar o remédio após 20 ou 30 dias; e, assim, a anemia volta logo”, comenta.
E por que algumas pessoas param o tratamento? “As pessoas atendidas pelo SUS recebem o sulfato ferroso, que é um medicamento muito bom, eficaz, mas com muitos efeitos colaterais (náusea, vomito, diarreia, constipação), o que faz com que a pessoa pare o tratamento antes do tempo. Nesses casos, os sais férricos, como é o caso do ferripolimaltosado, tem menos efeitos colaterais, o que determina melhor adesão ao tratamento e, portanto, melhores resultados”, diz.
Por tudo isso, o melhor tratamento, levando em conta as particularidades de cada caso, naturalmente deverá ser indicado pelo médico; e é essencial que o paciente siga as orientações passadas pelo profissional à risca.
Cançado comenta ainda que a biodisponibilidade do ferro é a eficiência com a qual o organismo utiliza o ferro da dieta. “Conversa-se muito sobre como melhorar a dieta, ou seja, prover uma dieta mais rica em ferro; mas fala-se muito pouco sobre o uso de medicamentos à base de ferro, que são fundamentais. A dieta é importante para a prevenção da deficiência de ferro, mas, para quem já tem deficiência de ferro e, sobretudo, para aquelas com anemia ferropriva, a dieta ajuda, mas os medicamentos com ferro ajudam muito mais”, explica.
Prevenção
Cassiana destaca que, em mulheres, principalmente as perdas devem ser tratadas quando excessivas na menstruação. “Nas gestantes, suplementos de ferro devem ser utilizados, principalmente a partir da 20ª semana de gestação”, diz.
Sim, a dieta também é importante para a prevenção. “Uma dieta mais rica em ferro (fontes de ferro) significa maior aporte de alimentos à base de carnes, que são ricas em ferro heme, como vísceras (fígado), coração, peixe (sardinha em lata) e frango”, diz Cançado.
“O ferro não-heme, presente no feijão, lentilha e nas verduras escuras (couve, brócolis, agrião, rúcula, espinafre, beterraba) é muito menos absorvido (5-10%) que o ferro das carnes (30%), mas também ajuda”, destaca o hematologista.
O que pode enriquecer e melhora a absorção de ferro, de acordo com Cançado, é: cozinhar em panela de ferro e tomar um copo de suco de frutas cítricas (laranja, limão, acerola) antes ou durante a alimentação. “A vitamina C contribui para aumentar a absorção do ferro não-heme e anular o efeito dos fatores inibidores da absorção do ferro. A adição de 50 mg de vitamina C é capaz de dobrar a absorção de ferro não-heme presente na mesma refeição”, diz.
Mas, vale lembrar, a anemia deve ser tratada com orientação médica. Porque a dieta é, sim, importante para a prevenção, mas, quem já tem deficiência de ferro e quem já está com anemia ferropriva, precisa também contar com tratamento à base de medicamentos com ferro, conforme ressalta Cançado.
Estar atenta à saúde como um todo, cuidar da alimentação de uma forma geral e, sempre que notar sintomas, procurar ajuda médica, é o melhor caminho para evitar a anemia e qualquer outro problema de saúde.
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