Tratado como um tema bastante polêmico no Brasil, o canabidiol (CBD), um dos componentes da cannabis, pode ser um importante aliado na recuperação muscular de atletas amadores e profissionais. Ainda há muita desconfiança e preconceito relacionados ao tema. Apesar de diversos estudos já terem comprovado os benefícios da substância à saúde, são poucos os países que legalizaram o uso de medicamentos a base de canabidiol. Já no cenário esportivo, o CBD vem causando debates sobre doping.
A Dra. Ana Gabriela Baptista, consultora técnica em Cannabis Medicinal, explica que o óleo extraído da cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é apenas um dos 113 fitocanabinoides que a planta produz. E, apesar de representar mais de 40% de sua composição, diferente do tetra-hidrocanabinol (THC), o CBD não é o responsável pelas propriedades psicoativas da maconha.
Nos últimos anos, diversos estudos que comprovam a eficácia do canabidiol vêm sendo realizados e levados em conta no processo da liberação da substância no tratamento de doenças e na recuperação muscular em atletas de diversos países.
O canabidiol na recuperação muscular
Apesar de polêmico, o assunto é tratado com a devida naturalidade por alguns profissionais do meio da saúde. O médico generalista especializado em terapia canabinoide, Dr Adolfo Pires Almeida explica os benefícios da substância para o corpo. “O óleo de CBD apresenta importante efeito anti-inflamatório, protetor muscular e das estruturas esqueléticas. Além disso, apresenta alívio da dor local com soluções tópicas”, afirma o especialista.
Ana comenta que o fitocanabinoide também age como anticonvulsivo e antidepressivo, sendo muito utilizado no tratamento de distúrbios neurológicos. “Na parte comportamental, o CBD tem potencial ansiolítico, o que reduz a ansiedade, melhora a cognição e também ameniza a psicoatividade do THC”.
Um artigo publicado na Outside, em abril de 2018, mostrou também que o canabidiol age no corpo como analgésico e é rico em antioxidantes. Segundo o mesmo, os receptores de serotonina e vaniloides do cérebro interagem com o CBD, afetando o humor e a percepção da dor do indivíduo.
A utilização do CBD
O meio de consumo mais comum da planta ao redor do mundo é por meio do fumo, prática que continua sendo considerada proibida quando o assunto é a performance esportiva, tanto pelos efeitos psicoativos causados, quanto pelas consequências ao sistema respiratório. Atletas que buscam o canabidiol para o auxílio na recuperação muscular, em geral, fazem o uso do óleo e de seus produtos derivados.
Por se tratar de um óleo extraído da cannabis, ele pode ser utilizado como matéria prima para pomadas, cremes e loções, sendo aplicadas diretamente no músculo ou articulação. A Dra. Ana Gabriela explica que o óleo rico em CBD também pode ser administrado direto na boca, por meio de cápsulas (como remédios) ou aplicadores.
Doping no esporte
Como um marco importante na história do esporte, no dia 1º de janeiro de 2018, a Agência Mundial Antidoping (WADA) retirou o CBD da lista de substâncias proibidas da organização. Com isso, muitos atletas de alto rendimento, principalmente nos EUA, passaram a utilizar o fitocanabinoide como uma alternativa ao ibuprofeno e outros analgésicos. Por se tratar de uma planta natural e que não sofre tantos processos químicos como outros medicamentos vendidos em farmácias, é menos nociva e prejudicial ao corpo, principalmente aos rins .
No entanto, o uso recreativo da cannabis engloba todas as substâncias presentes nela, incluindo o CBD. Por isso, o consumo destas, em especial, o THC (responsável pelos princípios psicoativos, mais conhecido por deixar os usuários “chapados”), ocasiona na dopagem de atletas amadores e profissionais.
A legalização medicinal e social da cannabis no Canadá e em muitos estados dos EUA vem motivando outros países a seguirem o exemplo. No esporte não é diferente. Alguns nomes renomados no meio, como o presidente da Confederação Brasileira de Skate e multicampeão na modalidade, Bob Burnquist e os lutadores de MMA, Nate e Nick Diaz se declararam usuários e defensores da causa da liberação.
No skate (modalidade olímpica em Tóquio 2020) e no MMA, o uso recreativo e medicinal da planta é proibido durante o período de competição.
Algumas entidades como a NFL, a Liga de Futebol Americano dos EUA, já demonstraram interesse em flexibilizar a política de doping por cannabis. Segundo um relatório da NBC Sports, legalizar o uso da planta por jogadores engloba muitos fatores, entre eles, o fato de não ser liberada em todos os estados do país (até o momento, 11 estados americanos legalizaram a venda de maconha para uso recreativo). As conversas da NFL com a Associação dos Atletas da liga deve acontecer somente em 2020, com uma possível liberação apenas em 2021.
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Canabidiol no Brasil
Por conta do THC, a planta também é ilegal no Brasil. O canabidiol, por outro lado, foi retirado das substâncias proibidas pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em janeiro de 2015. O uso do medicamento foi regularizado, contanto que tenha a autorização e controle da entidade, sendo utilizado para tratar doenças como epilepsia, ansiedade, esclerose múltipla e dores crônicas.
Ainda assim não é fácil conseguir um remédio que tenha o CBD, o processo é demorado e passa por diversas etapas. Apesar da polêmica envolvida, para o OMS, o canabidiol, quando utilizado como substância medicinal, não deve ser tratado como droga.
No território nacional, 590 prescrições de remédios feitos a partir da substância foram feitas entre janeiro e novembro de 2018. Um número muito baixo comparado aos 200 milhões de habitantes. Inúmeros fatores podem ser levados em consideração, desde o preconceito enfrentado pelos médicos quando prescrevem tais medicações, até a burocracia enfrentada por quem necessita do tratamento.
Para conseguir a liberação, o médico precisa prescrever algum remédio que contenha o CBD. Após conseguir a receita, o paciente deve se cadastrar no site da ANVISA e aguardar a análise da entidade. Caso a solicitação seja aprovada, a agência autoriza a importação e aquisição do mesmo (que não é produzido em território nacional, justamente por ser proibido). Quando chega em território nacional, o produto é analisado e liberado pela própria ANVISA.
O mercado da cannabis
Nos Estados Unidos, o uso recreativo da planta é legalizado em 11 estados, em uma lei que esbarra em complicações. As leis federais e estaduais entram em conflito com relação a dois tipos diferentes de maconha: a propriamente dita (que contêm THC e CBD), e o Hemp (conhecida como cânhamo e que contém apenas 0,3% de THC, com alta concentração de CBD).
Nos estados onde são legais, os produtos que contêm THC são cultivados, processados e vendidos apenas por empresas licenciadas pelas autoridades estaduais. A segunda espécie da planta é considerada ilegal nos EUA, o que dificulta a comercialização. Os produtos com o canabidiol são comercializados em lojas comuns, como os supermercados, mas são concentrados apenas nas áreas legais.
Apesar desse fato, a indústria canabica, segundo um relatório da consultoria Brightfield Group, espera faturar US$5,7 bilhões apenas em 2019, cerca de R$23,14 bilhões. Deste valor, estima-se que 57% das vendas não seja online, mas em estabelecimentos como grandes redes de farmácias, varejos e mercearias. Para os próximos anos, com o crescimento do mercado, a expectativa de faturamento é ainda maior, cruzando a barreira dos US$20 bilhões até 2022.
Estudos sobre o CBD
Um estudo publicado no Jornal de Farmacologia e Experimentos Terapêuticos em junho de 2018, explica como a substância age no corpo humano como anti-inflamatórios. Os resultados exibidos no jornal americano mostram como os fitocanabinoides modulam as respostas inflamatórias regulando a produção de citocinas em vários modelos experimentais de inflamação.
Já a Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente publicou um estudo em 15 de dezembro de 2018 que comprova e mostra como as principais substâncias da cannabis (THC e CBD) agem. Como citado no texto, o canabidiol age de maneira diferenciada no corpo, podendo inibir os efeitos psicoativos do THC.
*Fontes médicas: Dr Adolfo Pires Almeida, médico generalista especializado em terapia canabinoide, membro da SBEC (Sociedade Brasileira de Estudo Canabicos) e sócio fundador da equipe Dr. Hemp.
Dra. Ana Gabriela Baptista, consultora técnica em Cannabis Medicinal e especialista Lato Sensu pelo Hospital Israelita Albert Einstein e Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
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